AMOR

Ah! O amor    sua mecânica voraz
que aciona asas de anjo e
combustões de satanás.    Os seus
delírios de ser deus   e nada
ser senão a chama, e a cera
de círios amalgamados    ilusão
e luz      — fugaz — de primavera;
mero sorver — ou só perder? — de
açúcares bordados em canção
a dois     e em carnação efêmera      de
fêmea (ou macho): o fio gasto o
                                                  frio gesto — enquanto
o cio aos poucos se renova    prova
os pastos do sono    ou nos provoca
os cegos cogumelos do abandono.
Ah! O amor   sua mecânica falaz
que recomeça     e traz os sais
de oclusos mares   insetos obtusos
atavares cativos — em explosão:
a compulsiva arte da avidez das
mãos   e esse mútuo mergulho de
côncavos e convexos   brusca busca
de nexos e nichos;    ou os caprichos
a graxa    o resvalar das graças
os toques túmidos de espada
em concha de úmido veludo. E
a rouquidão do suor — ou a
perdição do fervor —
no desabar do abismo onde se
abrem e fanam a um tempo só
todas as flores   e se desata a
bem-amada
síntese dos sumos do prazer de
tudo — e se refrata   em obscura
cor de conhecer    a dor do nada.

MAURO GAMA

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