"Habeas – Pinho"
 (Petição para libertar um violão)

O instrumento do crime que se arrola
Neste processo de contravenção,
Não é faca, revólver nem pistola
É simplesmente, doutor, um violão.

Um violão, doutor, que na verdade,
não matou nem feriu um cidadão.
Feriu, sim, a sensibilidade
De quem o ouviu vibrar na solidão.

O violão é sempre uma ternura,
Instrumento de amor e de saudade.
O crime a ele nunca se mistura,
Inexiste entre ambos, afinidade.

O violão é próprio dos cantores,
Dos menestréis de alma enternecida
Que cantam às mágoas que povoam a vida
e sufocam as suas próprias dores.

O violão é música e é canção,
É sentimento, vida e alegria,
É pureza é néctar que extasia,
É adorno espiritual do coração.

Seu viver como o nosso é transitório.
Mas, seu destino, não se perpetua.
Ele nasceu para cantar na rua
E não p'ra ser arquivo de cartório.

Mande soltá-lo pelo amor da noite
Que se sente vazia em suas horas,
P'ra que volte a sentir o terno açoite
De suas cordas leves e sonoras.

Libere o violão, Dr. Juiz.
Em nome da Justiça e do Direito.
É crime, por ventura o infeliz,
Cantar mágoas que lhe enche o peito?

Será crime, e, afinal, será pecado?
Será delito de tão vis horrores,
Perambular na rua o desgraçado,
Derramando na praça as suas dores?

É o apelo que aqui lhe dirigimos,
Na certeza do seu acolhimento.
Juntada desta aos autos nos pedimos
E pedimos também DEFERIMENTO.

Ass. Ronaldo da Cunha Lima
Advogado

Despacho do Juiz. Arthu Moura
Para que eu não carregue
Remorso no coração
Determino que se entregue
A seu dono o violão.

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