Carmen, como a inspirá-la o mar em frente
Visse e a noite a cair calma e estrelada,
Pulsou nervosa e apaixonadamente
No dourado salão a harpa dourada
E aos soluços do mágico isntrumento
Ia-lhe a alma de moça (como ao vento
Sem saber onde vai, folha perdida)
Ia-lhe a alma num êxtase àquela hora
Fora pela janela, espaço fora
Longe da casa, longe desta vida.
Mas alguém, de repente, entra na sala
E em rude voz que lhe feriu o ouvido:
— Para quê música"? (é o marido) — fala.
Não gostava de música o marido.
Sem a harpa, o amigo fiel a quem contava
as suas penas e os seus dissabores,
Carmem: — Não me permitem — suspirava —
Amar a música, amarei as flores".
Desce ao jardim. Borboleteia, esvoaça
E violetas e cravos quando passa,
Rosas, jasmins, rindo com as mãos nervosas
Colhe. Volta e ante o espelho às tranças pretas
Prende os jasmins, os cravos e as violetas
Prende à cintura, prende ao seio as rosas.
E olha, vê-se, revê-se. Quando, ai dela!
O mesmo tom de voz aborrecido:
— "Para que flores?" — a surpreende e gela.
Não gostava de flores o marido.
Sem música, sem flores, que seria
Carmen, de ti, se em seu poder, que é tanto,
Como as flores e a música e a poesia
Não te viessem encher o lar de encanto?
Para Carmen, agora, a vida é sonho;
Do verso às asas, o país risonho
Vê da ilusão, entre os dourados climas;
Lá vai! Que azul de eternos sóis cobertos!
Tanto é o influxo que tem um livro aberto,
um punhado de estrofes e de rimas.
Range, porém, da alcova, a um lado, a porta,
E o tom de sempre, áspero e desabrido:
— "Para quê versos?" — o êxtase lhe corta.
Não gostava de versos o marido.
Sem poesia, sem música, sem flores,
Só e aos vinte anos, quem viver pudera?
Mísera Carmen! Já do rosto as cores
Com o pranto esmaiam e se desespera.
Té que uma vez... Nào foi um cavaleiro
(Como se diz) no seu corcel ligeiro...
Foi das coisas que amava o amor vencido,
Vencedor afinal, que num perfume,
Num som, num verso, como outrora um nume
A arrebatou dos braços do marido.
E onde hoje vive, ri, doideja, salta
Carmen, ditosa CVarmen, de alegria,
Pois para ser feliz nada lhe falta:
Nem música, nem flores, nem poesia.