LADAINHA A JOÃO CABRAL DE MELO NETO
(O Retirante Volta ao Seio da Terra)
I – O Retirante diz a que veio
João Cabral
Torna à pedra
Seu original
A palavra
Não cala
Sua ave-bala
A pá lavra
Temperança
Sem fragrância
A Vida
Sem continência
Sob medida
Verso
De barro
A eminência parda
Ritmo
De saúva
Sem música
A charrua
No sulco
Sua volúpia
Embaixador
Do nada
Lavra dor
Poesia
Em carne viva
Sem estrias.
II – A caminho da cova
Caberá
Na terra pouca
Menor que a boca?
A procissão
Adentra o eito
Enraíza-se
Eiva
A carne seca
Sua seiva
Amarga
O vinagre
Sua enxada
De ferro
Brabo
Seu candelabro
Sem eira
Ou alqueire
Sua esteira
Cava na cova
A larva
Da lavra
Cava o carvão
Sua ogiva
A paixão
Rumina seu pasto
O Sertão
Ferida braba.
III – Os retirantes em torno do corpo
A trombeta
Anuncia
Sua maniva
Em nossa presença
Emigra
A Vida
Ao útero
Da terra
Prometida
A sete palmos
Do chão
Rogai por nós
Rapinas
Aguardam
Sua urtiga.
IV - O enterro à beira do rio
Planta
O caroço
Sua manta
Ao massapê
Voltam
Pernas e pés
Na tarde
Absorta
Suas coxas
Envolto
No manto
Seu tronco
Tubérculo
Agnóstico
Seu pescoço
A mão
Serpenteia
Sua cabeça
O fardo
Do tempo
Será seu ungüento
Quiçá
Não exangue
Seu rebento
Enxerto
De sangue
No mangue
Caatinga
Verde
Hirsuta
Exsurgirá
Da pedra
O cardo-santo.
Pedro Nicácio
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