Língua minha, se agora a voz levanto
Pedindo à Musa que me inspire e ajude,
Somente sói em teu louvor o canto.
Inda que a lira seja fraca e rude:
E tudo quanto sinto na alma, e digo,
Língua minha dulcíssona e canora,
Em que mel com aroma se mistura,
Agora leda, lasmtimosa agora,
Mas bão isenda nunca de brandura;
Língua em que o afeto santo influi e ensina
Língua na qual eu suspirei primeiro.
Confessando que amava, às auras mansas
E agora choro, à sombra do salgueiro,
Os meus passados sonhos e esperanças;
Na qual me fez ditoso em tempo breve
Língua em que o meu amor falou de amores,
Em que de amores sempre andei cantando,
Em que modulo os mais encantadores
E deleitosos sons de quando em quando,
E espalho acentos inda nunca ouvidos
Sempre, sempre te eu veja meiga e pura
Naquela singeleza primitiva,
Naquela verdadeira formosura
Que farei que no verso meu reviva.
E, se apenas um pouco se revela
Outros andam o teu sublime aspecto
D'ornamentos estranhos encobrindo
Sem saber o que tens de mais secreto,
De mais marav ilhoso e de mais lindo:
Em ti já não se nota o mesmo agrado
Quanta e quamanha dor me surge e nasce
De nunca ouvir aquele antigo estilo,
Mas eu fiz que ele aqui se renovasse,
Para que o mundo assim pudesse ouvi-lo.
E com todo o poder d'engenho e d'arte
Ah! como assim me elevas e me encantas,
Ora chorando e rindo, ora gemendo:
E se te outros ofendem vezes tantas,
Embora solitário eu te defendo:
Eu te defenderei sem ter descanso
E, em pago disto peço que me imprimas
Maior ternura na alma e não me agraves;
Dá-me versos dulcíssimos e rimas
Eternas, peregrinas e suaves:
Dá-me uma voz melodiosa e amena,
Eu não quero um som alto e retumbante
Para cantar d'amor ao mundo atento,
Pois não há língua que d'amor não cante,
Mas nenhuma traduz o meu tormento;
Nenhuma se conhece que traslade,