a manhã brotou em pântanos, galos e neblina
lâmina de orvalho no pasto
leitosa foto de um Goiás ainda inteiro
lá estou eu plantando estacas
braços finos e rosto de espanto
enquanto pássaros distraem crianças com seus cantos
leves ventos a sacramentarem rituais em todos os campos
lá estou eu, senhor, a bradar blasfêmias
têmporas esmaecidas pelo tempo de espera
muge o gado a santa complacência
de ser pingo e ponto em um canto de esfera
gira o planeta agitando o rabo para o Sol
cãozinho triste que se enrosca nas pernas do dono
roda a vida no referencial de um curral encardido
marcando uma cruz na folhinha da parede
o dia existe no rabisco rural que se traça no papel
no sinal trêmulo que se imprime na memória
lá estou eu a escrever histórias
contando prosas, inventando versos
ouvindo rezas, morrendo aos poucos
na solidão de um barranco esquecido