Cinzas... Poeira que ardeu, que arrefece e que esfria...
Cinzas... que em tênue bloco um milagre sustenta,
E o vento desmorona e rola em tropelia
E anônimas desfaz na terra pardacenta...
Cinzas, que sois como eu, labareda, vazia,
Restos do que brilhou da vida na tormenta:
Guardais no corpo inane a forma do que ardia
Mas no âmago gelado a morte se apascenta.
Cinzas... Nesse conjunto em que esta alma se espelha,
Vejo a ruína do fogo, a escória da centelha,
O cadáver da luz que o vento leva a esmo.
E eu, neste coração que em cinzas se esboroa,
— Cinzas das ilusões — sinto levado, à toa,
O cadáver do amor, que jaz dentro em mim mesmo...
Do livro: "Nova Antologia Brasileira", F. Briguiet
& Cia. Editores, 1961, RJ