Veio uma angústia de cima,
Pelos ombros me agarrou,
No mais fundo do meu peito
Sua lâmina cravou.
Depois que o chão desfeito
O meu corpo estrebuchou,
Pelos cabelos a fera
Sobre pedras me arrastou.
Meu corpo espedaçou.
Mas ainda não satisfeita,
Nova vida me insuflou:
Para mostrar poderio,
Com a sua mão direita
Uma cidade arrasou,
Na esquerda tomou um rio,
Fogo nas águas soprou,
As águas todas do rio
Com seu hálito secou.
Levou-me aos cimos mais altos,
No ar me imobilizou,
Depois, em súbitos saltos,
A garra adunca fincando
No meu coração, lá do alto
Soltou um grito nefando
E sobre o mar me atirou.
Ah! nas águas do mar alto
Meu corpo logo afundou.
Veio buscar-me de novo:
Angina pectoris, polvo,
Meu coração sufocou
E tais surras de chicote
Me deu, que a cada lambada
Minh'alma perto da morte,
Só a morte desejou;
Meu rosto esfregou na lama,
As faces me babujou
E quando, à atroz azáfama,
O meu olhar se turvou,
Vencido, entregue, arquejante
-- Perdido o sangue da veias --
Na praia, sobre as areias,
Meu corpo exausto rodou.
Ah! pobre corpo do amante
Que até o fim se humilhou!
Então um riso infamante
As faces lhe escancarou,
Zombou da minha tolice:
-- "Eu sou a Cachorra", disse,
"Tu me chamaste: aqui estou."
A essa voz dissiparam-se as sombras
E enquanto ela me mastigava os últimos restos da memória
Senti que da sua boca nasciam rosas
E vi que o céu se rasgava para a maravilhosa aparição.