Sou organizada,
arquivo minhas dores.
Já arquivei muitas.
Vez por outra,
desarquivo,
uma .
Algumas permanecem arquivadas
exclusivamente porque já forem dores
e, dores são dores,
tenho-lhes o devido respeito.
Tenho algumas que nem toco ,
pavor de
estragá-las.
Deixo-as como estavam no dia
do arquivamento,
intactas.
Tenho muitas dores arruaceiras,
escandalosas,
dessas que a gente morre de vergonha
quando aparecem.
Mas é evidente que tenho outras,
completamente diferentes,
caladas.
Dessas não gosto .
Algumas são delicadíssimas,
a dor do primeiro amor desfeito,
é um bom exemplo.
Tenho uma dor bem interessante,
eu diria até que,
inusitada,
uma dor desafinada.
Ora, porque da surpresa?
Paixão solitária dá nisso,
impossível harmonizar..
Sem qualquer constrangimento,
Confesso: tenho uma dor...brega,
Isso mesmo. E quem não tem
pelo menos uma?
A minha dor de cotovelo
está na terceira gaveta,
já esteve mais acessível
mas ainda está lá.
É bem grande esse meu arquivo.
Tenho até dor em ordem alfabética.
É um arquivo, organizado.
Quer dizer, mais ou menos.
É que tenho uma dor
instável.
Já tentei faze-la desaparecer,
mas é voluntariosa,
tem vida própria .
Uma vez rasguei-a em pedacinhos,
adiantou?
Não.
Mal abri a primeira gaveta,
lá estava ela,
multiplicada.
Arquiva-se e desarquiva-se
Como e quando quer
e, mais, mistura-se com as outras.
Apareceu de tanto
eu abrir e fechar a gaveta.
Difícil lidar com ela.
Desisti.