Quem tá gemendo?
Negro ou carro de boi?
Carro de boi geme quando quer,
Negro, não,
Negro geme, porque apanha,
Apanha para não gemer.
Gemido de negro é cantiga,
Gemido de negro é poema...
Geme, na minh'alma,
A alma do Congo,
Da Niger da Guiné,
De toda a África, enfim...
A alma da América,
A alma universal...
Quem tá gemendo?
Negro ou carro de boi?
Trem sujo de Leopoldina,
Correndo, correndo,
Parece dizer:
Tem gente com fome,
Tem gente com fome...
P i i i i i i !
Estação de Caxias,
De novo a correr,
De novo a dizer:
Tem gente com fome,
Tem gente com fome,
Tem gente com fome...
Vigário Geral,
Lucas, Cordovil,
Braz de Pina,
Penha Circular,
Estação de Penha,
Olaria, Ramos,
Bom Sucesso,
Carlos Chagas,
Triagem, Mauá,
Trem sujo da Leopoldina,
Correndo, correndo,
Parece dizer:
Tem gente com fome,
Tem gente com fome,
Tem gente com fome...
Tantas caras tristes,
Querendo chegar,
Em algum lugar...
Trem sujo da Leopoldina,
Parece dizer:
Tem gente com fome,
Tem gente com fome,
Tem gente com fome.
Só nas estações,
Quando vai parando,
Lentamente,
Começa a dizer:
Se tem gente com fome,
Dai de comer...
Se tem gente com fome,
Dai de comer...
Mas o freio de ar,
Todo autoritário,
Manda o trem calar:
Psiuuuuu...
Do livro "Coletânea de Poetas Pernambucanos", Editora
Minerva; 1951, RJ