O Minuete
Espaçoso é o salão: jarras a cada canto;
Admira-se o lavor do tecto de pau santo.Cadeiras de espaldar corri fulvas pregarias:
Um enorme sofá: largas tapeçarias.O purpúreo tapete aos olhos nos revela
Entre as garras de um tigre ansiosa uma gazela.Retratos em redor: olhemos o primeiro:
No Toro as mãos de Afonso o armaram cavaleiro.Era arcebispo aquele: esta foi açafata:
Que frescura sensual nos lábios de escarlata!Olhos revendo o azul que sobre a Itália assoma:
Em finos caracóis, a loura e ondada coma:Colo robusto e nu: cabeça triunfante:
Consta que certo rei... passemos adiante.Este que vês, morreu num africano areal
Por vingança cruel do áspero Pombal.Desse olhar na expressão infinda e inenarrável
esabrocha uma dor profunda e inconsolável.Defronte, uma donzela, o rosto meigo e aflito,
Num êxtasis adora o pálido proscrito.O teu sonho nupcial, franzina morgadinha,
Tão cedo se desfez, ó mísera e mesquinha!No burel escondeste o viço e a formosura,
E desmaiaste, flor, no chão de uma clausura!...Repara nos desdéns do fofo conselheiro,
Que sorridente aspira a flor de um jasmineiro!Em cânones doutor: no paço foi benquisto:
Orna-lhe o peito a cruz de um hábito de Cristo.Esse outro combatendo às portas de Baiona,
Como um bravo, alcançou a rútila dragona.Vibra flamas o olhar; cabeça ereta e audaz;
Ilumina-lhe o rosto a glória de um gilvaz.Assistimos, ao vê-lo, às pugnas carniceiras,
E ouvimos o clangor das músicas guerreiras...No antiquíssimo espelho, à sombra das cortinas,
Reflete-se o primor de argênteas serpentinas.Sob o espelho se aninha um cravo marchetado,
Mimo outrora da casa, e prenda de um noivado.Ao lado um cofre encerra, em amorável ninho,
Antiga partitura em velho pergaminho.Uma noite estendi a música na estante,
E o cravo suspirou... naquele mesmo instanteDa ebúrnea palidez doentia do teclado
Manso e manso evolou-se o aroma do passado.E vi descer do quadro a lânguida açafata
Que, ao discreto palor das lâmpadas de prata,A fímbria alevantando azul do seu vestido,
O rosto acerejado, o gesto comovido,A sorrir, deslizou graciosa no tapete,
Dançando airosamente o airoso minuete...Gonçalves Crespo