RETRATO

Cabeça de cabaça e sem tutano,
língua que lambe com ferrão de abelha,
que chupa a flor mais bela e mais vermelha
que existe no esmeril do corpo humano.

Nariz enganador, de lobo e ovelha,
olhar de peixe morto, e bem goiano,
boca pequena e pinto mediano,
que mede tudo que lhe cai na telha.

Gosta do lado obscuro: o abracadabra
dá-lhe um frisson de gozo na virilha,
a sensação da vida sem problema.

Uns dizem que ele é mesmo o chupacabra,
outros que tem o diabo na braguilha
e fode as musas dentro do poema.

                      

DESPOJAMENTO

Sou eu os meus despojos
ou meu despojamento?
Se levo o que não posso,
por que me vou doendo?

Se agora me desnudo
quem vê o natural?
Se sou causa e sou fruto,
então o que me falta?

Pelos meus dias brancos,
nas mais secretas curvas,
o amor me vai doando
os seus cristais, ou rugas?

Sou alguém solitário
ou solidário? A chispa
que incendeia o espantalho
atinge o eu do egoísta?

Sou mesmo responsável
por mim, por meu irmão?
Ou sou apenas chave
sem porta e condição?  

                                       Gilberto Mendonça Teles

« Voltar