Eu sou trezentos

Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,
As sensações renascem de si mesmas sem repouso.
Ôh espelhos, ôh! Pirineus! ôh caiçaras!
Si um deus morrer, irei no Piauí buscar outro!

Abraço no meu leito as milhores palavras,
E os suspiros que dou são violinos alheios;
Eu piso a terra com quem descobre a furto
Nas esquinas, nos táxis, nas camarinhas seus próprios beijos!

E sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,
Mas um dia afinal eu toparei comigo...
Tenhamos paciência, andorinhas curtas,
Só o esquecimento é que condensa,
E então minha alma servirá de abrigo.
    
                                                               Mário de Andrade

Do livro: "Tempos da literatura brasileira", Ed. Ática, SP, 1985

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