EU

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada… a dolorida…

Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino, amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!

Sou aquela que passa e ninguém vê…
Sou a que chamam triste sem o ser…
Sou a que chora sem saber porquê…

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!


Do Livro de Mágoas, Tipografia Maurício, 1919, Lisboa

Minha culpa

             A Artur Ledesma

Sei lá! Sei lá! Eu Sei lá' bem
Quem sou? Um fogo-fatuo, uma miragem…
Sou um reflexo… um canto de paisagem
Ou apenas cenario! Um vaivem

Como a sorte: hoje aqui, depois alem!
Sei la' quem sou? Sei la'! Sou a roupagem
De um doido que partiu numa romagem
E nunca mais voltou! Eu sei la' quem!…

Sou um verme que um dia quis ser astro…
Uma estatua truncada de alabastro..
Uma chaga sangrenta do Senhor…

Sei lá quem sou?! Sei lá! Cumprindo os fados,
Num mundo de maldades e pecados,
Sou mais um mau, sou mais um pecador.
         
                                                         Florbela Espanca

Do livro: Charneca em Flor (ed. póstuma), 1ª ed., Livraria Gonçalves, 1931, Coimbra/Portugal

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