BIOGRAFIA

Por palavra doce ou por pesadelo
saiba que estou acordado, e que engano
minha lucidez sem dia, mês e ano,
e que o vinho, não consigo entendê-lo.

Se não quero esse fumo, mas a névoa,
crio o meu idioma de sono e sonho,
entre cores que invento e que componho,
e acredito em tudo desde Adão e Eva.

Sou louco quando quero e quando indago
se existir percebendo é simplesmente
a maldita sensação de quem sente
as ventanias do céu sobre um lago.

Não acordo de minha claridade.
Sou tão solar quanto as sombras que faço,
e o leão que trago, destruo e traço
sem conhecer ao certo nome e idade.

Acredito em deuses como quem ama
(às vezes a paixão me rói o rosto),
e a alma fica em sangue cru e exposto
— e eu, caleidoscópio, giro na cama.

Tateio miragens (já estou perdido),
nada mais me chama pelo meu nome,
e a solidão à frente é sempre fome
do grito mais longínquo e já vencido.

E desdobro-me no avesso reinício,
só consigo inventar o que acredito,
e já não sei mais sé medo ou se é mito
o poema que constroi um precipício.

                                          Felipe Fortuna

Do livro: Ou vice-versa, Achiamé, 1986, RJ

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