AUTO-RETRATO

Pra quê auto-retrato
se há fragmentos de mim
em cada linha,
ou se me encontro inteira,
por vezes num verso
que nem é meu?

O quê dizer de mim,
o quê dizer pra mim
ou enxergar em mim,
nas tantas vezes em que me reviro
e me descubro múltipla
de ambíguas facetas que jamais se encaixam?

E se serena meu rosto me retrata,
por dentro flagro uma alma inquieta,
como se duas fosse,
uma buscando a outra,
correndo, numa brincadeira de pique
em que ninguém jamais se alcança.

E quando durmo e outra vez serena
talvez pudessem me pintar,
o sonho não o deixa:
nele viajo sempre lépida,
às vezes num balão azul
com flocos cor-de-rosa,
outras num circo de terror.

                               Cida Jappe

Do livro: Dualidade, Ed. autora, 1990, RJ

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