SÚPLICA

Senhor Deus, dá que a bocas da inocência
            Possa ao menos sorrir,
Como a flor da granada abrindo as pet'las
            Da alvorada ao surgir.

Dá que um dedo de mãe aponte ao filho
            O caminho dos céus,
E seus lábios derramem como pérolas
            Dois nomes - filho e Deus.

Que a donzela não manche em leito impuro
            A grinalda do amor
Que a honra não se compre ao carniceiro
            Que se chama senhor.

Dá que o brio não cortem como o cardo
            Filho do coração.
Nem o chicote acorde o pobre escravo
            A cada aspiração.

Insultam e desprezam da velhice
            A coroa de cãs.
Ante os olhos do irmão em prostitutas
            Transformam-se as irmãs.

A esposa é bela... Um dia o pobre escravo
            Solitário acordou;
E o vício quebra e ri do nó perpétuo
            Que a mão de Deus atou.

Do abismo em pego, de desonra em crime
            Rola o mísero a sós.
Da lei sangrento o braço rasga as vísceras
            Como o abutre feroz.

Vê!... A inocência, o amor, o brio, a honra,
            E o velho no balcão.
Do berço à sepultura a infâmia escrita...
            Senhor Deus! compaixão!...

                                            Castro Alves

Do livro: "Poetas Românticos Brasileiros", Vol. I,  Editora  Lumen, s/ ano, SP

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