OS MENINOS DE CABUL

São quatro meninos mortos
na noite abissal e fria
que empana o céu de Cabul.
São oito baças retinas
indiferentes ao mundo,
ao branco da Whate House,
aos ditames do Pentágono.

Os guris tingem de rubro
a funda noite afegã.
As boquinhas semi-abertas,
sem pranto, sem canto e som,
sem libelos, sem anátemas,
ruminam o amplo silêncio
sem noção de culpa ou dolo.

Quem foi? Bin Laden? O mulá?
Foi o Corão? Foram as barbas
medievais e fatais?
Quem sabe o sorriso opresso
nas burcas sabendo a cela?
Quem ditou a aviões-bomba
as prescrições da tragédia?

Não foi dos quatro meninos
o plano denso de sangue
e hostil às torres-irmãs.
Porém são matéria e alvo
acessível ao vôo dos mísseis.
(O artesanato das guerras
está nas mãos camufladas,
nas astúcias e perícias.)

No chão os corpos inertes.
As fraldas azuis contrastam
com os tons funéreos da noite.
Pranteiam as bocas estáticas
os pleitos dos inocentes.
Sobre os mísseis assassinos
cai a dor deste silêncio
do quarteto dos meninos.
(São quatro meninos mortos.)
 


O MENINO MUTILADO

Bagdá, seis de abril, domingo.
No subúrbio de Diala,
um menino chamado Ali Abbas
perdeu as mãos e o sonho.
O coração do mundo contraiu-se
ferido pela imagem enfática.

Seus pais se desintegraram
nas profundezas do sono.
Com que sonhariam no instante
em que o míssil desvairado
saltou sobre as velhas telhas
e o assombro total das paredes?

Os pais de Ali Abbas talvez
no seu amplo tapete onírico
navegassem o branco da paz.
O sonho, ingênuo e sem olhos,
não situa as portas detonadas.

O míssil de nome Tomahawk
bradou "não" e "não", e categórico
fez da casa sombras e ruínas.
Devorou falanges, falangetas,
os braços, o amanhã e o sorriso
do guri sonhador Ali Abbas.

Comovido indagou Ali Abbas:
"Quem sabe poderias trazer-me
meus dois braços de volta?"
As lágrimas envoltas no silêncio
afagaram as palavras do menino
e odiaram o míssil e seu ofício
de antropófago no céu de Bagdá.

                                                    Joanyr de Oliveira

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