URBE

        
       para Luíz Horácio Rodrigues

uma louca corre pela rua
e ninguém ouve aquele corpo nu

ninguém sabe o que mostra o olho
faiscando insuspeitada luz

pés atravessam viadutos e dormem
em esquinas, subterrâneos, vãos

como um grito de Munch
pontes solitárias na cidade abandonada

a cidade não vê, não pára
não há tempo para chorarmos nossos mortos

uma dor viva sangra entre dentes e gargantas
vômito que se limpa com a lama dos sapos

tambores ecoam nos verdes montanhosos dos sonhos
corações secos nos desvios

alguém jogado do último andar suja o parapeito
a orquestra noturna dos cachorros

o horror poluído dos rios corta vielas
tudo dói na cidade que nos sustenta e vela

quem, o culpado pelo inverno dos homens?
agônica, uma flor colore um sol desesperado

                                                    Tanussi Cardoso

Do livro: Exercício do olhar, Editora Fivestar, 2006, RJ

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