Lampeão de Gaz

Lampeão de gaz daquella rua quieta
de arrabalde! Lampeão de gaz antigo,
quantas vezes um coração de poéta
em ti encontrou o seu melhor amigo.

Quanta esperança florescer tu viste,
sob tua flamma loira e medieval,
e quantas vezes um soluço triste
não commoveu teus nervos de metal?

Bohemios impenitentes, namorados
(tão differentes dos que o são agora...)
vinham felizes ou desanimados,
falar comtigo pela noite afóra.

E quantas vezes pela noite escura,
as victimas da insomnia mais atroz,
vieram buscar-te, cheias de amargura,
dessa amargura dos que vivem sós...

Quantas phrases de amor, despeitos, scenas
de ciume viu a tua luz doirada
e tão discreta, iluminando apenas
um pequenino trecho de calçada...

Porém um dia, em nome do progresso
e desse outro de civilisação,
condemnaram-te como a um réo confesso
á mais cruel e rude expiação.

Tiraram-te das ruas da cidade,
onde uma vida inteira consumiste,
e eu penso que ninguem teve saudade
da tua flamma loira e quasi triste.

Ninguem mais quer saber de sonhadores,
e os namorados de hoje são venaes,
tão sem poesia são os seus amores
pois verdadeiro amor já não ha mais.

Lampeão de gaz, plantado na beirinha
da calçada! Minh'alma não te esquece;
sou como tu, antiga, e a sorte minha
não sei porque com a tua se paréce.

Se um dia meu destino me levasse
á barra de um moderno tribunal,
não haveria quem não me accusasse
por ser poeta e ser sentimental.

Mas é mentira tudo isso que digo
sobre amores e sobre namorados!
Para elles é que escrevo, meu amigo,
esses meus pobres versos antiquados.

                                                        Colombina

Do livro Lampeão de Gaz, Versos de Colombina, Typ. Cupolo, 1937, São Paulo
Envio de Leninha

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N.E.: Foi respeitada a grafia constante da obra

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