bicicleta de barro

noite que noite
essa, meu Deus
debaixo de meus pés

acesa como um cigarro
que nunca traguei, juro

(o pulmão da maria-fumaça
levou meus avós)

perdi os pedais
e minha bicileta de barro

garupa de samaúma
tinha aroma de patchuli

lábios de sapoti
e peijos quentes
quais de Ipenama

e só me lembro que me inflamava
feito rinha de galos

(nunca respondi
a tuas cartas de papel celofane

tive medo como qualquer animal
dentro do estro)

noite que noite
mais noite que a noite
essa, meu Deus

perto de meus olhos
o Amazonas é apenas um menino
de dez anos

mas com o derramar das nuvens
assaltando as telhas lá fora
em rios

quem distinguirá
olhos de sapiranga dos olhos d'água
nos caroços das cumeeiras?

a bicicleta de barro
derrete-se como sorvete

                                        Merivaldo Pinheiro

Do livro: Caminhos do Poe(a)mar, Ed. autor, 2007

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