Luva Abandonada

Uma só vez calçar-vos me foi dado,
Dedos claros! A escura sorte minha,
O meu destino, como um vento irado,
Levou-vos longe e me deixou sozinha!

Sobre este cofre, desta cama ao lado,
Murcho, como uma flor, triste e mesquinha,
Bebendo ávida o cheiro delicado
Que aquela mão de dedos claros tinha.

Cálix que a alma de um lírio teve um dia
Em si guardada, antes que ao chão pendesse,
Breve me hei de esfazer em poeira, em nada...

Oh! em que chaga viva tocaria
Quem nesta vida compreender pudesse
A saudade da luva abandonada!


ENGENHO D'ÁGUA


Do cimo azul desce a corrente fria
E aos saltos vem pela inclinada calha
Mover a roda grande que trabalha,
E em claro prisma ferve à luz do dia.

Começou o labor. Zine e esfuzia
Dentada serra ou, mastigando, ralha;
Sopra o ventilador e ao largo espalha
Seu canto: o moinho remoneia e chia.

E o aplestre cimo azul, de onde deriva
A água, dizer parece: — A força viva
Que, ó máquinas, possuis, deste alto corre.

Basta eu querer, seca-se a linfa clara,
Sem meu impulso, a roda grande pára,
Pára todo o trabalho, e o engenho morre."

                      Alberto de Oliveira