DA VIDA DAS COISAS

À sombra da noite: mimetismo.
Perdem, os objetos
as formas seculares
e o sentido.

Perduram diáfanos, fantasmagorias
simulacros em desacordo estético
sem simetria e culpa.

São pequenos vínculos, oratórios
Pagãos, em densa conversação
como carpideiras na madrugada.

As cadeiras se revelaram, há muito
lânguidas senhoras inglesas
estruturas descarnadas
de assento e pausa.

As mesas, instauradoras, conciliares
são reptos de fausto
e acórdão de milênios.

Os sofás, pedantemente alheios
em pompa de estofado
principal, são tutores
de segredos furtivos
e sorrisos reveladores.

Nas camas, a alcova e o destino final.
Campas pilulares e treino
mortuário. Territorial da lascívia.
Prazer e enternecimento.

De utensílios do dia
quedam-se entidades
de um sonho noturno e veraz.

Um raio de luz da lua que ilumine
o umbral da casa, desvela o sentido tomado
da vida e da morte, na vida secreta das coisas.

                                             Ricardo Sant'Anna Reis

Voltar