VERDE ERA O LIMO
Verde era o limo de que fomos feitos,
do verde virginal das esperanças.
Dessa argamassa bastarda
de argila e lodo primevos
ficou-nos a dupla herança:
o corpo lerdo, a alma tarda.
Corpo de espessa matéria,
alma ainda quase vegetal.
Certa fireza mineral
e uma esperança que amanhece.
Do livro: Poemas escritos com raiva (inéditos), in Fragmentos da Paixão - poemas reunidos, Massao Ohno, 2000, SP
ROSAZUL
Malhar-te ao rubro idéia-e-sentimento
— ao rubro e em dobro, e mais — antes,
palavra,
que se cristalize
tua rosa de azul siderurgente:
(Nos teus garimpos abstrusos,
esta alquimia de espanto:
detectar, extrair, fundir
e enformar o que tens
— no ventre obscuro difuso —
puro minério do verbo.)
Mas foges, queimas, resfrias-te e te
quebras
ou insinuas-te solícita excessiva.
Informe, em ti tocamos
toda a faixa do vermelho.
E, ao fim, sonegando-nos
o azul e o rosa, rústica
e cinzenta,
guardas
teu metalúrgico segredo.
Anderson Braga Horta
Do livro: Exercícios de Homem, in Fragmentos da Paixão - poemas reunidos, Massao Ohno, 2000, SP