Por caminhos ignorados,
por secretos entremeios,
por misteriosos veios
de troncos recém-cortados,
te vêem meus olhos fechados
penetrar-me a alcova escura
e converter-me a figura
opaca, febril, cambiante,
em matéria de diamante,
luminosa, eterna e pura.
Não durmo, querendo ver-te,
lenta, chegar, apagada,
querendo ouvir-te, pausada,
a voz que silêncios verte;
para que, tocando o nada,
que envolve teu corpo incerto,
e ao teu aroma deserto,
possa, sem sombra de engano,
a ti saber que me irmano,
sentir que morro desperto.
O ponteiro dos segundos
percorrerá seu quadrante;
será tudo em um instante
desse espaço moribundo
que, largo, só e profundo,
será dócil ao teu passo,
de modo que o tempo forte
prolongará nosso abraço
e assim será possível
viver mais depois da morte.
Morte, em vão ameaças
fechar-me a boca à ferida
e pôr fim à muita vida
com uma palavra baça.
Que desejas mais que faça,
se, na dor que me devora,
violei tua demora;
se, por ver tua tardança,
para encher-me a esperança
que não morra não há hora!
Xavier Villaurrutia
(tradução de Paulo Mendes Campos)