CALENDÁRIO POÉTICO

I
Em janeiro
Arruma-se a cabeça
Todo mundo tem certeza
Que a dor ficou presa
No antigo calendário
E nunca mais voltará
Quem sabe fazer as malas
E continuar
Pular para o outro lado
Deixando tudo bem atrás
1992? Nunca mais!

II
Quem não gosta de samba
Pode ser também um bom sujeito
Descalçar o pé
Queimar a cara e
O coração todo mundo quer
A paixão do ano inteiro
Começa agora em fevereiro

III
Se acaso março chegar
Abrindo um verão na lida
Todo mundo vai entender:
Prioritária é a vida
Canção cotidiana
Que nos desperta e adormece
A vida é o verão que faz um homem
Ser um bando de andorinhas
Ser a agulha e a linha

IV
Abril aquarela
Caixa de música
Final de arco-íris
Comer algodão doce
Andar de mãos dadas
Com o bem-querer
Um olho na sogra
Outro no brigadeiro
Eu vi primeiro
Primeiro de abril

V
Flor de laranjeira
Tule, organdi
Meninos, eu vi
Peguei o buquê
Caiu sobre mim
Ainda me caso contigo
E com a vida, enfim
Maio me visita
Não tenho vergonha
Visita de cegonha

VI
No céu
De todo mundo
Tem a boca
E o sorriso
Uma estrela e um balão
No céu
Da vida de toda a gente
Yem uma noite de São João

VII
Em julho
O frio arrepia
Gente grande
E os pequeninos num mundo de poucas cobertas
O peito aperta e entende
Calado, explode de dor
Mas, se não há tantas dobertas,
Teçamos um manto de amor

VIII
Agosto - tempo cinzento
A solidão das pessoas
Vem à tona no inverno
O chuveiro quente
É um colo d'água
Que aconchega o eterno
Útero materno

IX
Setembro:
Piquenique na montanha
Toalha bordada
Cestinhas de ilusões
Vestido enfeitado com bordado inglês
Artefinalizando emoções

X
Outubro é nada ou tudo
Definir o roteiro
Que cada um traça dentro de si:
O paraíso é lá ou aqui?
Viver é um purgatório do sentir

XI
Em novembro não entendo
Se o tempo que pasosu é futuro
Viver é o claro ou o escuro
da dúvida.
Duvido muito

XII
Dezembro:
Quero te conhecer, meu novo amor
Meu coração é uma flor aberta
Em fim de noite
A te perfumar
A te tontear
Como um bolero
A vida é um rodopiar

                    Dayse Mary de Andrade

Do livro: Taquicardia - um surto poético, Blocos, 1992, RJ

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