Recife de Outubro

Ó cidade noturna!
Velha, triste fantástica cidade!
Desta humilde trapeira sem flores, sem poesia
Alongo a vista sobre as águas
Sobre os telhados.
Luzes das pontes e dos cais
Refletindo em coluna sobre o rio
Da impressão de uma catedral imensa,
Imensa, deslumbrante e encantada,
Onde, o esplendor das noites velhas,
Quando a noite está dormindo,
Quando as ruas estão desertas,
Quando, lento, um luar transviado envolve o casario.
As almas dos heróis antigos vão rezar.

Sinto no meu sangue a caricia da morte.

No silêncio as horas morreram,
E ao saimento
Das horas mortas
Um sino toca

Caminho a passo lento,
Creio que alguém me espia do alto, das cornijas,
Vai passando na sombra a ronda dos meus sonhos.

Toda cidade, eu vejo, está transfigurada;
É um campo desolado, negro, enorme
Onde rasteja ainda,
O último rumor de uma batalha;
E a massa negra dos edifícios,
As torres agudas recortando o azul sombrio,
Cadáveres revoltos, remexidos,
Com braços mutilados
Erguidos para o céu.
Ó minha triste e matéria e noturna cidade
Reflete na minha alma rude e amargurada
Te teu fervor católico, o teu destino, o teu heroísmo.

                                                            Joaquim Cardoso

Do livro: Poesias completas, 2ª ed., Civilização Brasileira, 1979, RJ

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