SÍSIFO
 
Aceitei a tarefa.
Levo esta pedra
ao alto da montanha
e ela tompa depois
e recomeço.

Neste gesto
a condição humana
até o excesso
de amar, sofrer

e respirar
os planos
e os mais longos
dos receios.

Nesta pedra
a resistência
que se faz eterna.

E começo de novo.

Felicidade é apenas
o possível
no impossível
ou rastro
que nos fica
do sopé
para o cume.

E com a pedra
caímos,
transportando
o mar.

Feliz ou não:
pretexto.
A pedra é o mar
que engendro.                                         

Náufrago andando.

E me contento
ser um a mais
na vaga da montanha.
ser um a mais
no topo
e no mais raso
do coração.

  


NARCISO

Tenho de suportar-me
alguns palmos,
aflita
percepção dos sentidos.

Minha queda é subida
e só busco alcançar-me
mas o céu não é firme
e o firmamento, um vale
com fonte
onde espelhar-me.

Tenho a mim ainda
e os limites conseguidos,
a consciência de estar
vivo e vendo
a morte no remanso
adormecida.

Tenho a dor ainda
de estar a sós comigo
e a fundura
entre o rosto
e a imagem dividida.

Esta imagem, o fardo
carregado
nos olhos e na vida.

Mesmo no abisco
e cego.

             Carlos Nejar

Do livro: "Os viventes", Nova Fronteira, 1979, RJ

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