A Harpa Quebrada

                                I

"Minha harpa, saudemos o instante da morte,
Que é lúcida aurora de eterna vitória:
O túmulo pr'a os vates é trono de glória,
E a vida é o jugo do inferno e da sorte.
O jugo quebremos, ao trono subamos;
É belo o triunfo, minh'harpa morramos!"
E, como pelo canto enternecida,
Da harpa dedilha uma das cordas
Rebentando soou como um gemido.

                                II

"Ó vate é proscrito que vaga na terra,
Bem poucos lhe entendem o estranho falar;
Qual rocha batida das vagas do mar,
Suporta dos homens tormentos e guerra;
Dos vates a pátria no céu achar vamos,
Deixemos e oxílio, minh'harpa morramos!"
Ë nova corda estala; outro gemido
Que sai dos seios da harpa, e é dado às brisas.

                                 III

"A morte é o sono que à dor sucedeu,
Do qual se desperta no Éden do Senhor;
É d'alma um arroubo em ânsias de amor,
E o túmulo é a porta dos átrios do céu.
A morte é o sonho, minh'harpa, durmamos;
O céu nos espera, minh'harpa, morramos!"
Longe soa também outro gemido,
Que triste esvaecendo aos poucos morre.

                                IV

"Minh'harpa, não gemas, que o mundo é traidor,
Asila a perfídia do grêmio fatal.
Não vale as saudades de um peito leal,
Nem ternos suspiros de uma harpa de amor;
Não gemas, exulta, que ao céu subir vamos.
A vida é sinistra. Minh'harpa, morramos!"
Como profunda quixa, que exalada
Do lúgubre cantor responde ao hino.

                                V

Esposa querida, minh'harpa, vem cá!
A hora enfim soa do nosso himeneu;
A pira é a lua, que fulge no céu;
O tálamo virgem nas ondas será;
A pira flameja! esposa, corramos!
Aos gozos! à glória! minh'harpa, morramos!

                                                                    Joaquim Manuel de Macedo

Do livro: "Antologia Nacional", Livraria Freitas Bastos, 1963, RJ

« Voltar