A atração sideral é uma forma do egoísmo.
O equilíbrio
dos egoísmos, derivado em turbilhão, faz a ordem nas
cousas.
Passa-se assim em presença do homem: a fúria sedenta
das
raízes penetra a terra buscando alimento; na espessura, o
leão persegue o antílope; nas frondes, vingam os pomos
assassinando as flores. O egoísmo cobiça a destruição.
A sede
inabrandável do mar tenta beber o rio, o rio pretende dar vazão
às nuvens, a nuvem ambiciona sorver o oceano. E vivem perpetuamente
as flores, e vivem os animais nas brenhas, e vive a floresta; o rio
corre sempre, a nuvem reaparece ainda. Esta luta de morte é
o quadro
estupendo da vida na terra; como o equilíbrio das atrações
ávidas
dos mundos, trégua forçada de ódios, apelida-se
a paz dos céus.
A fome é a suprema doutrina. Consumir é a lei.
A chama devora e cintila; a terra devora e floresce; o tigre
devora e ama.
O abismo prenhe de auroras alimenta-se de séculos.
A ordem social também é o turbilhão perene ao redor
de um centro.
Giram as instituições, gravitam as hipocrisias, passam
os Estados,
bradam as cidades... O ventre, soberano como um deus, preside e
engorda.
Raul Pompéia
Do livro: "Canções sem Metro" (1900), org. Afrânio Coutinho. Assistência Eduardo de Faria Coutinho, Ed. Civilização Brasileira/Oficina Literária Afrânio Coutinho/FENAME, 1982. v.4, RJ. Poema integrante da série III – O Ventre.