Também do escravo a humilde sepultura
Um gemido merece de saudade:
Uma lágrima só corra sobre ela
De compaixão ao menos....
Filho da África, enfim livre dos ferros
Tu dormes sossegado o eterno sono
Debaixo dessa terra que regaste
De prantos e suores.
Certo, mais doce te seria agora
Jazer no meio lá dos teus desertos
À sombra da palmeira, não faltara
Piedoso orvalho de saudosos olhos
Que te regasse a campa;
Lá muita vez, em noites d'alva lua,
Canção chorosa, que ao tanger monótono
De rude lira teus irmãos entoam,
Teus manes acordara:
Mas aqui - tu aí jazes como a folha
Que caiu na poeira do caminho,
Calcada sob os pés indiferentes
Do viajor que passa.
Porém que importa - se repouso achaste,
Que em vão buscavas neste vale escuro,
Fértil de pranto e dores;
Que importa - se não há sobre esta terra
Para o infeliz asilo sossegado?
A terra é só do rico e poderoso,
E desses idolos que a fortuna incensa,
E que, ébrios de orgulho,
Passam, sem ver que co 'as velozes rodas
Seu carro d'ouro esmaga um mendigante
No lodo do caminho !...
Mas o céu é daquele que na vida
Sob o peso da cruz passa gemendo;
É de quem sobre as chagas do inditoso
Derrama o doce bálsamo das lágrimas;
E do órfão infeliz, do ancião pesado,
Que da indigência no bordão se arrima;
do pobre cativo, que em trabalhos
No rude afã exala o alento extremo;
— O céu é da inocência e da virtude,
O céu é do infortúnio.
Repousa agora em paz, fiel escravo,
Que na campa quebraste os ferros teus,
No seio dessa terra que regaste
De prantos e suores.
E vós, que vindes visitar da morte
O lúgubre aposento,
Deixai cair ao menos uma lágrima
De compaixão sobre essa humilde cova;
Aí repousa a cinza do Africano,
— O símbolo do infortúnio.
Bernardo Guimarães
Do livro: "Canto da Solidão", Tip. Liberal,
1852, SP
(*) Nota: Bernardo Guimarães escreveu esse poema
em memória ao escravo Ambrósio, que o acompanhou a São
Paulo, onde estudou Direito. O escritor liberou o escravo para montar uma
vendinha, cujos lucros eram divididos entre os dois fraternalmente.