O MOTIM

Hoje eu já tinha tomado banho
colocado as almofadas no chão
quando os presos se amotinaram
mataram um guarda
e puseram fogo na oficina.

Os pavilhões de cima ardiam
os guardas debaixo davam tiros
as visitas não chegavam
e eu tomava vários cafezinhos.

Logo hoje que estréia meu espetáculo
e eu morria de saudades de você...

Difícil ser amante no cárcere
enquanto os helicópteros sobrevoam telhados
jogando bombas de gás
que desgastam tanto nossa relação
como fazem chorar os rebeldes
ilhados no esgoto.

A tarde insossa se arrasta
sem nenhum corpo de mulher
enquanto isso os líderes da rebelião
devem estar levando porrada.
É essa a lógica
— dizem as autoridades
e continuando batendo.

Como ontem foi Dia dos Namorados
eu pensei que eles não matariam ninguém hoje
mas me enganei: foram nove,
todos por afundamento de crânio
e como suspenderam a visita
não deu para comprar seu presente.

Tentaram derrubar a grade com um caminhão
fiquei ouvindo o rádio esperando um telefonema
com medo que a ausência dessa visita
precisamente hoje
comprometesse nossos esforços recentes
de fingir que a prisão não existe.
Eu ainda acho:
em nosso caso amar significa
resistir nas brechas, jogar o caminhão em cima
atropelar qualquer receio.

E cada beijo é uma tentativa de fuga.

                                                               Alex Polari

Do livro: "Camarim do Prisioneiro", Global Editora, 1980, SP

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