MÁRIO DE ANDRADE SESSENTA ANOS DEPOIS

Mário de Andrade enorme vai pelas ruas de São Paulo.
Mário de Andrade é uma sombra enorme caminhando pelas ruas de São Paulo.
Mário de Andrade é um sorriso enorme,
é uma risada enorme vigiando São Paulo,
é uma boca enorme bebendo a água pesada e oleosa do Tietê
debaixo do arco admirável da Ponte das Bandeiras,
sob as sombras da noite, a enorme noite.
Mário de Andrade era apenas um homem,
mas se multiplicou.
Era preciso ser muitos para cantar tanto amor pela cidade e pelo Brasil.
Era um amor sem tamanho, descomunal, que não vai-se acabar nunca mais.
Por isso, lá do berço enorme onde dorme Mário de Andrade,
embalado pelo Mistério,
partiu a sua sombra gigantesca que sorri e abençoa para todos os lados.
As sensações do poeta que era trezentos-e-cinqüenta renascem sem repouso
no poema
e na eternidade.
Não é possível mais tanger violinos alheios,
quando o poeta abraça as melhores palavras
e o melhor violino
com Deus.
O poeta pisa a terra como se fizesse parte dela,
como se os seus pés fossem raízes se afundando no húmus acolhedor,
quando no seio de uma noite miraculosa
descobre que se tornou uma árvore e floresce e frutifica.
Um dia afinal se encontrou consigo.
Era verdade que o esquecimento é que condensa,
todas as andorinhas se lembraram
e buscaram abrigo na árvore de sua alma.
No perfil da cidade
o arcanjo forte do arranha-céu cor-de-rosa
mexendo asas azuis dentro da tarde
se chama Mário de Andrade.
Apaixonadamente seu braços desgalham-se
e as flores estão caindo sobre a cidade amada,
enfeitando o seu vestido de mulher bonita.
A própria dor é uma felicidade.
A morte é uma felicidade.
Mário de Andrade está sorrindo gostoso para provar que é verdade.
É preciso ver a felicidade no barro do sofrimento dos homens,
que purifica.
Faz bem sentir a presença amiga,
bonacheirona,
como de um deus muito humano,
a palavra fraterna,
o abraço com os quatro braços do grande Mário de Andrade.
Era preciso ensaiar um poema,
canhestro,
desajeitado,
meio mal das pernas,
mas dizendo da falta e da presença do enorme brasileiro Mário de Andrade
neste dia dos sessenta anos de sua partida.
Uma estrela brilha no céu,
pisca tanto,
quer cair,
quer desesperadamente cair
na terra verde e vermelha do Brasil:
é Mário de Andrade.


24 de fevereiro de 2005

                                                             José Carlos Mendes Brandão

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