ORAÇÃO POR EMILINHA BORBA

Senhor,
um poeta atrapado nas arapucas do subdesenvolvimento
atolado nos seus preconceitos pequeno-burgueses
— mas nem por isso menos crédulo, menos devoto –
saúda e pede passagem,
traz o seu abre-alas
às portas do Teu Reino
para a sua musa: EMILINHA BORBA, a cantora do Brasil!

Ela não é uma artista de Hollywood
nem suicidou-se numa taça de champanha.

Veio do coração do povo
humilde, simples e verdadeira na sua simplicidade
veio do seio do povo
nunca posou nua para revistas como Play Boy ou Paris Match
nem fingiu um casamento com um milionário estrangeiro.

A história dela, Senhor, Tu a conheces
melhor do que eu:
ganhou com simpatia o que outras ganharam com escândalos
amou em silêncio
ela mesma jamais entendeu a razão de sua glória
nunca deixou-se levar por mania de grandeza
jamais pecou por prepotência
continua humilde, Senhor, agradecida de sua sorte
honrada com o seu papel de Favorita das Favoritas
quem sabe vítima do seu destino
mas resignada a viver convictamente o seu papel
o papel que Tu lhe atribuíste.

Cantou onde seus fãs a exigiram:
nas estações de rádio, nos clubes aristocráticos
nos bailes de Carnaval
até mesmo nos pequenos circos
e nos mais distantes e modestos parques de diversões
onde o seu público se reunisse para ouvi-la.

Aquele era o seu povo
e aquele o seu país.

Nem havia Televisão de casa em casa
nem estradas nem hotéis razoáveis
mas ela ia de cidade em cidade
peregrinando e cantando.

Havia um Brasil querendo ouvi-la
e ela amava o Brasil como ninguém.

Foi (é), Senhor,
o símbolo para muitos de nós
que acreditamos na sua autenticidade:
ela veio do seio do povo
ganhou a fama e a fortuna
tornou-se o ídolo de milhões de seres anônimos
mas de carne e osso
que trabalha, que sofre, que tem esperanças também
(como ela) de ganhar fama e fortuna
pelo menos o pão e o teto.

Ela foi a esperança num momento difícil de nossas vidas.

Emilinha, Senhor,
brindou-nos essa oportunidade
abriu seu imenso coração para aquela gente
–para nós, Senhor, desejosos que estávamos de comunhão –
ensinou-nos o caminho da virtude
apertou a mão de cada um de nós, embalou-nos
aconchegou-nos no seu infinito sorriso
porque ela sorriu e cantou para todos
e todos soubemos glorificá-la com flores e títulos:
FAVORITA DA MARINHA
A CANTORA MAIS QUERIDA DO BRASIL
e, no entanto, Senhor,
jamais permitiu que depositássemos os ex-votos aos seus pés
ela mesma os recebia
ela, na sua humildade profética, não os aceitava para ela própria
aceitava-os para os que ela representava
aceitava para a fé dos que a procurávamos
e dependíamos dela para existir.

Ela uniu esse país, Senhor,
pôs o seu amor no coração desse país
cresceu com ele, cantou com ele
– todo o país ao uníssono –
e mais não fez porque mais não podia.

Ela merece cantar no Teu Reino
como a nossa melhor representante.

                                                                           Mércio (*)

(*) Poema de Mércio, personagem do romance “A Qiadratira do Ó, ou a Maravilhosa estória do fanzoca que idolotrava Emilinha Borba , de Antonio Miranda, publicado pela Ed. Thesurus, em 1979. O formato do poema foi uma emulação do famoso poema “Oração por Marilyn Moroe", do poeta nicaragüense Ernesto Cardenal.

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