O NOBRE ANIMAL MÁRIO QUINTANA

Carregando os fantasmas nas costas, Mário Quintana vai morrer.
Ferido de mortal beleza, despede-se desta vida fátua.

Mas o teu silêncio feito de agonias ficará, poeta,
na tua gaiola apinhada de meninos mortos.

A voz do morto cantou na minha janela alucinada,
e era Mário Quintana que se esqueceu de morrer de vez.

Quando a lua estender a roupa nos telhados,
entre o fumo e os cataventos, ah, será Mário Quintana.

Ele mesmo prepara o chá para os fantasmas.
Os fantasmas, encantados com a poesia, floririam.

A Esfinge mia como uma gata nos telhados desfiando a lua
e uns poemas cheios da beleza única de estarem inconclusos.

Mário Quintana debruça-se na janela alta, alta, alta
como esses poleiros onde cismam imóveis as invisíveis cacatuas de Deus.

Mário Quintana está montado no claro touro da aurora.
Os clarins de ouro dos seus cabelos cantam na luz!

Morro de amor saboreando a polpa sumarenta do poema
como um fruto maduro na boca – antes de saber-lhe o misterioso sentido.

Os teus poemas são uma prece, Mário Quintana,
vêm sempre à tona de todos os naufrágios.

O poeta é um cavalo selvagem, belo como a imagem de Deus.
O poeta é um nobre animal, relincha e corcoveia no infinito!

                                                           José Carlos Mendes Brandão

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