A Bênção, maestro!

Nada havia melhor que se alegrar em suas obras e esta é a parte que lhe cabe. Eclesiastes, 3; 22.
                       
Lança o teu pão sobre as águas que passam, porque depois de muito tempo o acharás. Eclesiastes, 11; 1.

A glória, para Sivuca,
não se reduz à fama
nem se conta em notas,
as moedas sempre falsas
a trocar de mão.
Pois a glória de Sivuca
tem nada a ver com fortuna.
A glória de Sivuca
é onça caetana
e é légua tirana,
uma mágoa insana.
Ela tem a ver é com a sorte,
com a sorte até pode ser,
mas não a sorte no jogo
e, sim, a sorte no amor.


Pois a glória é menina,
a glória é moça,
seu nome é severino
e é nome de mulher.
Pois é, a glória é mulher.
E também é melhor:
é gáudio, é orgia, é folia,
carinho, estripulia.
Para aquele moço de Itabaiana,
a glória sabe o que é?
É entrar no Metropolitan Opera
pela porta da frente
e pelo poço da orquestra,
essa cacimba em si,
esse rio em fá,
esse mar sem mi,
esse povo sem dó,
esse sertão que é só:
a glória é pó, é pó e é pó.

A glória, para nosso mestre,
é uma banda inteira
e é alva, albina, é fina:
a glosa do verso torto,
e a tosa da rima acima,
é subir aos céus
na tocata e fuga de Bach
e descer aos infernos
num tema de Miles Davis.
E tudo num instrumento camponês,
uma sanfona sacana,
uma safena safada,
um fole de oito baixos
e tantos outros altos
a resfolegar e a respirar
o alento todo do cosmos,
o justo susto do caos.

Pode até ser o violão de Pata Pata
por trás de Miriam Makeba,
mas de dentro da África inteira
em feiras de mangaio
em chinelos de rabicho,
num choro de cor e dor,
riso da alma,
e ônus do amor.

A mera prova sublime
de que a vida é música
e a morte é máscara:
uma canção de nanar nenê,
uma cantiga de amigo,
o Bolero de Ravel
na Praia do Jacaré
e o réquiem que Mozart fez
para o próprio enterro.
Ela vem no berro primevo
do guri expulso do ventre,
o morno ventre materno.

É ainda a república dos sonhos
e o império dos cinco sentidos:
a vista curta, o passo largo,
o tato esperto, o couro cru,
um gosto azedo
de pitomba verde
e os sons barrocos
dos carrilhões
das catedrais de Colônia,
Paris, Veneza e Patos.
A glória é a mãe do santo,
o porre, o pranto.
A glória é um manto:
a sagrada lã
do profano clã.
É mais o forró forro
do banzo negro
e o frevo rasgado
de nós, cativos da paixão,
amém!

                               José Nêumanne Pinto

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