Manoel de Barros, BA, passarinnou-se de vez...
Não o corvo de Pöe com seu "nunca mais, nunca mais, jamais,
never moore, never moore forever"...
mas um passarinho desses pardaizinhos
para os quais
coloco painço e pão e frutas
em meus beirais
pelo egoísmo de atraí-los mais
para vê-los
chilrear e dançar
e tatalar as asas,
a voejar,
acorda-me e insiste:
"– Podes continuar triste
porque foi-se seu avozinho poético,
aquele que nasceu para a singularidade
do dizer plenificado de encantamentos".
"Não mais, não mais", chilreia,
insistente.
Mas a aranha grávida de mil aranhinhas,
qual ele de versos e imagens cotidianas,
consola-me de sua teia forte e poderosa:
"– Ele continua , agora com outro tipo de presença.
Viverá enquanto o lembrares,
neste tempo imediato, transitório,
estará em cada passarinho!
Lembra-te que para os egípcios,
o BA, pássaro-alma, carregava o espírito
dos que deixavam o casulo corporal."
"– Sei disso, sei mesmo"
responde-lhe meu self em lágirmas.
Por isso não o ouvi
nos nobres e raros pássaros canoros
ou de plumagem multicolorida."
Sua humildade permitiu
que, riquíssimo de singularidade,
fosse apenas passarinho,
vivendo aqui e em outra dimensão
ao mesmo tempo,
pacientemente
aguardando o desprendimento final
enquanto nos passarinhava versos e prosa.
Sinto que perdi meu avôzinho espiritual, mas não perdi de fato... continuo a colocar paiço e pão e frutas nos beirais do muro de meu terraço e a olhar seu retrato.Clevane Pessoa
BH, 14/11/2014