SAUDADE

Os escombros da vida, sob o peito,
são as marcas ocutas que deixaste.
E o peso que me pesa — e que rejeito
sorrateiro se adensa, e como um traste

segue os passos nos dias e nos sonos
em que desarvorando gesticulo.
São as teias de cal dos abandonos
contra o tempo do amor, e de que pulo

ao vazio sem beijo e amenidade
onde os gestos se abriam com flor
tecendo as melodias da cidade.

O gelo destas horas sabe a dor
no mel das rememórias, da saudade
numa dose crescente de amargor.


SAUDOSISMO - 2

Anseio por teu rosto — eis nele um fruto
capaz de ungir manhãs e roseirais.
Mas vou tangendo os ecos do teu vulto
estendido nas mãos do nunca-mais.

Nesta jornada apenas sei colher
os destroços de um tempo vago e morto.
Na solidão sigo a sobreviver
cada vez mais sedento (a cada porto).

A tua ressonância me assedia
furtiva, a germinar a luz oculta
que jorra escuridão sobre o meu dia.

E eu cativo da sombra, que ora avulta,
vacilo em te buscar, que és dúbia e fria,
ou receber a morte que me ausculta.

                                           Joanyr de Oliveira

Do livro: Tempo de Ceifar, Thesaurus, 2002, Brasília/DF

« Voltar