SAUDADE

O verso de saudade, no meu peito,
vem bater toda noite, noite afora;
Da ave-maria ao despontar da aurora,
Como um cão a ganir insatisfeito.

Sou um fantasma em derredor do leito
E, à luz bruxuleante que descora,
Olho o fumo do círio ir-se embora,
Como tu que te foste deste jeito.

Volta pra mim e cura esta ferida
Que no meu peito abriste em tua partida
E que me fez ficar tão mal assim,

Pois desde o dia que daqui partiste,
A alegria que eu tinha ficou triste,
E um cipreste nasceu dentro de mim.

 

SAUDADE DE MIM

Uma parte de mim se foi embora,
A outra parte em mim está presente:
A que ficou reclama, sente e chora;
A que se foi pondera, chora e sente.

Ai! que tanta saudade sinto agora,
Como um amante que se fez ausente
E foi sofrendo pelo mundo afora
o que jamais sofreu qualquer vivente!

Pobre de mim, que sinto de mim mesmo
Essa saudade que me bate a esmo,
Que me maltrata, que me parte o peito!

Pois se de outrem fosse, e não de mim,
Era possível que tivesse um fim;
Mas, sendo minha, como vou dar jeito?!

                                R. B. Sotero

Do livro: No passado houve um tempo

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