A UTOPIA

                   À Herbert de Souza

A vida humana é como vidro
ou cristal da Bohêmia.
Todo o cuidado é pouco.
Não é coisa como musgo
de pedra, para crescer
sem precisar da luz do dia.

É a vida que enche o dia de sons
de crianças e de pássaros.
É a tal vida que se percebe
no lufar de um vento assobiante
sobre o mar. O vento que vai frisar
os telhados de vidro da burguesia
em seus frios palácios distantes.

A vida, mesmo, há de ser redefinida
para que se complete o trabalho de Deus.
Há de ser descrita com o vigor alquebrado
de um bardo apaixonado, ou pelo encanto
de uma dama da noite.

A vida deve ao sorriso a sua elucidação.
A vida é o dia se impondo à noite.
O fatal descuido da morte.
A sede da fome atávica.
A sorte de principiante.

A vida é o menino
correndo solto na rua
rodando no chão sovado
os piões da esperança
do homem, na utopia
do próprio homem.

                        Ricardo Sant'Anna Reis

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