O FERREIRO

Quando o fogo começava, tocada pelo vento,
saltava uma centelha, e, logo, com enfado
(perdido pensamento) consumia-se apagada.
Assim, a outras centelhas, seguia-se o silêncio.
Tão parco de verbo era o ferreiro,
que, só ao fogo, os seus sonhos entregava.

Buscava um som, talvez, erguia os braços,
procurando, em cada gesto, a melodia,
a escrita musical, que ao ferro unisse
e cantasse, outra vez, suas lembranças.
Tão parco de letras era o ferreiro,
que, só em ferro, suas notas escrevia.

Fazia um elo, formava uma corrente,
no fim, de cada volta, o filho ausente.
No princípio, a mulher, poema de seu canto,
música instrumental de suas lidas.
Tão pródigo de amor era o ferreiro,
que, moldando o ferro, o coração batia.

No arco que forjava, unindo as duas pontas,
a lição, a repetir, da roda que ferrava,
(o fogo dos opostos, a força da metáfora)
descobria o ferreiro o seu âmago de ferro.
Tão afeito ao ofício era o ferreiro
que, estando a forjar, na forja consumia-se.

                                              Geraldo Dias da Cruz

Do livro: Proclama aos incautos, Editora do Escritor, 1981, SP

« Voltar