CAMELÔ

Surgem
À frente repentina
Semente de passo mágico
O homem, a mulher
E menina.
Atingem
Inteira a rua
Que a cidade, atropela-se na praça
Prata, cobre, ouro
À luz da lua.
Vindos
De lá do lá

São mirabolantes cordões, chegando viadutos
Trançando catracas, franzinos, porém matracas
De expressivas vivacidades
Como dizem: — Dona Maria, Pinta e Nina
Navegastes, ora pois, em outros mares
E não encontrastes barra igual;
— Ora seu José, na sua idade
Pra que tanta obesidade?
— Maravilha! Quando beijo sua filha
Dou doçura em sua boca;
Ou ainda: — Josefina, com essa cintura
Danço maxixe até mesmo em Singapura.
Estes seres extravantes, astutos
Velejados de altos mares
Fazem às vezes camaleões
Evidência clara
Da mais fina sobrevivência
Que a vida lhes destinou,
Assim, como está no erário,
Também digo popular:
Dromedário de giba é um;
Camelo de duas é outro.
Reserva-se disso o poeta
Versar de igual o exuberante
Exaltado de cada domicílio
A inundar os olhos
Em que o cílio mergulhou,
Pra o erguer da taça
À graça de ser camelô.

Findo,
Camelô no mais
É um prazer, estímulo do nosso paladar
Mais íntimo
Daquilo que ele traz.

                         José Carlos dos Santos Ignácio

Do livro: Verde, amarelo, claros, Massao Ohno Editor, 1987, SP

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