SABBATH
                        Para Carolina Marques

Mãos rangem alaúdes noite adentro

                        A manhã não tarda

Ervas maceradas na água
               o líquido escuro e espesso
               escorre das vasilhas
               deixadas ao relento

Fogaréus ardendo no escuro
                        céu sem estrelas

Uivos de lobos
            entre chilreios de pássaros
anunciam o fim da noite
            e todos os presságios se misturam

Não esperamos mais

Tudo passou sob a folhagem das árvores
            as adagas cravadas nas raízes
                          testemunhando a chegada

Este é o limite
Homem algum trespassará este lugar

Com ramos cortados, tecemos guirnalndas
e coroamos príncipes
A festa começa

A lua nova lança sua face vazia
                          sobre os rostos brancos

Sabbath
Um longo dia avança sobre o abismo
             Nossos olhos voltados para o infinito

Sabbath
Nossas orações não fazem mais sentido
O ouro líquido escorre sobre as máscaras
            preenchendo o contorno das faces
            que perseguem manhãs como estas

Sabbath
Amanhecemos órfãos de nossa própria identidade
Outros seres brotam de nossos corpos
outro hálito de nossas bocas profanas

A água escorre sobre as pedras
            as mãos lambuzadas de óleo
            a besuntar as faces

Transgressão e violência
Crianças abandonadas
                        filhos da escuridão

Em vão esperamos no escuro
A tocha tremula sobre as cabeças
crepitando a lenta sonolência de farpas

Silêncio

Hóspedes do eterno
              selamos nossa aliança
Morte e vida alimentadas pelas mesmas mãos

Ouvem-se os últimos cantos até o anoitecer
A noite retorna sobre a planície
e novamente os riachos correm sobre a terra arada

Afastamos fantasmas
almas que vagam ensimesmadas
              entes que gravitam entre esferas circunscritas
              nesse mapa aberto sobre o coração da floresta

Encerramos as arcas para as manhãs futuras
e recolhemos as pedras sob o pano púrpura
para o novo sabbath

                                                            Thereza Christina Rocque da Motta

Do livro: "Sabbath e outros poemas", Ed. Blocos, 1998, RJ

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