NATAL

Queimou-se a palha
desvaneceu-se a gruta
apagou-se a estrela.
Onde Jesus na orgia
de tanta falsa luz?
Desertas as igrejas
e repletas as lojas.
Tangem sinos em surdina
enquanto alto tilintam
caixas registradoras.
Sob fitas cujos laços
não enlaçam os corações
— duros que nem moedas —
montanhas de embrulhos
que a fé não remove.
No calvário do exílio
pinheiros moribundos
sob um carnaval precoce
murcham ao peso de lâmpadas
bolas rabichos de prata!
A alegria bem talhada
pelo figurino do consumo
enquanto a sede do vinho
e a fome do pão habitam
os lares de outros cristos.
Vagas de náusea solapam-me
a mesa cintilante e farta
onde o açúcar cristal
tornou-se vidro moído.
E eis que minha alma náufraga
lá se vai também murcha
junto às passas de Málaga.

                                        Astrid Cabral


 

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