NATAL

Branca Noite de Festa! Alvíssima inocência
Da minha tenra infância e pura mocidade!
Deixa molhar-te o riso o pranto da existência
E juntar-se, ao teu hino, um treno de saudade.
Perdoa, noite santa! a voz, que te exaltava,
No hosana mavioso, álacre, excelso e forte,
Agora enrouquecida, e para sempre, escrava,
Não mais se elevará nas asas do transporte.

                            ***

Vejo-te inda brilhar no espelho da memória
Vejo-te o céu risonho e a vaporosa lua
Vestindo-te de luz a candidez marmórea
— Véu de berço infantil que, trêmulo, flutua —

Abre-se, no teu seio, o firmamento a pino,
Chovem, do ramo etéreo, as pétalas mais puras,
E os arcanjos de Deus — em coro adamantino —
Despejam sobre a terra a GLÓRIA DAS ALTURAS.

E, na terra adejando em torno dos altares,
O espírito da paz evola-se no incenso,
Escapa-se no fumo a se esvair dos lares,
E, após, vai-se perder pelo infinito imenso.

Mas não se perde. Não. Que a cérula fumaça
Penetrando no Azul, os páramos descerra;
Condensa-se no orvalho, em cristalina graça,
Que desce, pouco a pouco, e tomba sobre a terra.

E a Paz, que se fez Graça, entorna-se no mundo,
Brilhando em gotas mil, de vivos esplendores,
Santificando o Amor, intérmino e fecundo,
Na flor dos corações, no coração das flores.

                           ***

No palácio opulento e no casebre escasso,
Tremeluzem clarões, erige-se a lapinha,
Rompem foguetes, no ar, em trépido fracasso...
E a hora do silêncio estruge e burburinha.

Longe, a Estrela dos Reis, a estrela guiadora
Precede a multidão que, férvida, serpeja,
E o Cristo, que nasceu na humilde manjedoura,
Recebe os seus fiéis no pórtico da igreja.

Santa Missa do Galo! exemplo renascido
A renovar-se, sempre, as vívidas lembranças!
Doces recordações desse Natal florido!
Por quê não me trazeis as mesmas esperanças?

                           ***

Jamais! A voz ingênua, álacre, excelsa e forte,
Some-se, enrouquecida, e morre na garganta.
Aclara Céus e Terra! esplende ao Sul e ao Norte!
Vives no pesar! Perdoa, noite santa!

                                                                 Carlos Porto Carreiro

            Do livro: "Noite Santa - Antologia de Poemas de Natal", seleção, tradução e notas de Jamil Almansur Haddad,
            Edições  Autores Reunidos, Ltda., 1960, SP



 

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