urgências

mais do que em outros
neste Natal
multiplicam-se as urgências
despencam das nuvens
em tempestades de insistências
entram pelo telhado
pelas antenas do rádio
da TV a Cabo
pelos olhos
pela boca
pela pele
pelo apelo do celular
pelas palavras sem paladar
pela rede de intrigas

chegam da terra
do céu
do ar
do mar de  inconsistências
de todos os quadrantes do coração
da consciência bombardeada
dos escombros da imaginação
as urgências se impõem
em presépios de argila
de animaiszinhos embalsamados
dos precipícios de violência
elas surgem

a lista  não se esgota
não cabe no computador mais poderoso
na agenda eletrônica
nas retórica biônica do consultor
são tantas
tão diversificadas as urgências
as hipocrisias
as falências
as urgias
as falácias
as tiranias
as aparências
as cirurgias plásticas
as falsas aderências
as pseudoalegorias
as novidades  acadêmicas
a guerra endêmica
a anemia do pensamento

ah! menino deus
perdido pelas ruas  do sem fim
alguém reclama
suspira
aspira pó e gasolina
desesperado grita

precisa-se urgente de uma câmara digital
para fotografar a face da tristeza
na primeira página do jornal
a cara dos  desempregados
o bacanal
o perfil dos humilhados
a olhar dos oprimidos
a caricatura das impunes
o que sobrou dos desabrigados do destino
os desatinos da humanidade

precisa-se de um gravador de CD
reitera o viciado em games
em drogas
em tecnologia pesada

precisa-se de um milhão de CDW
não dá mais par ficar só com os disquetes
esses caducos
frágeis substitutivos da falsa memória
do esquecimento inconstitucional
 
difícil é escolher
entre  tantas oferendas
tanta quinquilharia
tanta música brega
as dores  essenciais

são tantos planos  de pagamentos
tantas taxas de injúrias
tantos perjúrios
tantos cartões de descrédito
marcas e modas
cores e grifes
nipes e notas
nadas e nódoas
tantas filigranas e coreografias
tantos grafites
que nem se sabe  bem a distinção
nem ao certo
porque tanta pressa
imensas
vorazes
insensatas necessidades

seria desejo
pressão
consumismo
ganância
fome
depressão
comodismo
ou pura e simples indecisão do intestino dilatado

tudo a tempo e a hora
o manual técnico em inglês
o serviço de instalação
a prestação de contas
o brinde inútil
desses que  não se sabe
para que serve
nem onde se guarda
talvez  para por  em cima da geladeira
ou dar de presente
ao inimigo mais íntimo
ao idiota mais próximo

e você menino deus
ferido pelas ruas da infelicidade
o que me diz de tantas
desnecessárias urgências
os  preços são justos
são convenientes as condições
as empresas  não exploram seus  funcionários
não degradam o meio ambiente
ou são biodegradáveis
os corpos balofos dos  políticos
dos intelectuais oníricos
dos etílicos empresários
 
 

são ecologicamente  corretas
suas ofertas de qualidade
de total prazer e bem estar
pelo amor de deus
faça com que justos critérios de paz
visitem a alma dos homens
neste reiniciar sem fim
de séculos e séculos
além dos rótulos
das vitrines
dos carros de som
das buzinas
além das pernas das mulheres
do charme da top-model
ainda menina

vale pagar mais pelo último modelo
ou este negócio de última geração
é pura enganação
pura jogada da linguagem mercantilizada

sabe menino deus
esquartejado pelas avenidas da megalópoles
neste final de ano
precisa-se
de um monte de coisas desnecessárias
há muito desejadas
indefinidamente adiadas
um par  de sapatos novos
um papai Noel de aluguel
um aparelho de vídeo
uma passagem de avião
uma floresta de árvores  iluminadas
um velocípede
uma bicicleta azul
uma borboleta  marfim
uma boneca
um pássaro de ouro
um vídeo erótico
um monitor de cristal líquido
um trenó
com doze parelhas de cães enraivecidos
um presente de grego
uma casa
um jardim suspenso
uma promessa de amor
uma  nova paisagem para cidade desfigurada
um vidente público
para que todos os brasileiros
possam adivinhar  o futuro do país
se é que futuro há
abaixo e acima da linha do Equador
em algum lugar do planeta incendiado
onde ainda se possa  viver feliz

além do dinheiro curto
é difícil a escolha de  amigos
impossível
acompanhar as invencionices da mídia
as fofocas
as falcatruas
as tolices
as traiçoeiras negociações
os escusos expedientes  de cada dia
não há como entender bem
esse trem desgovernado
essa complexa trama
essa coisa desmedida
essa degenerescência
essa doença do espírito
essa morte da liberdade

quer-se apenas
um aparelho bom e simples
que meça  a felicidade dos homens
que desse prazer  diante da vida
que fosse  fácil de manipular
feita para  gente  simples
para a multidão sem renda
de vida burra e severina
 
 
 

uma bússula
um caleidoscópio
um leme que seja
um astrolábio
um mapa
 

são tantas as urgências e mazelas
que a gente  se sente sem nexo
com data de validade vencida
ou se ri de si para não chorar
ou se  cai de maduro
da prateleira empoeirada
ou se fica simplesmente fora de moda
fora da linha do tempo
das celebrações natalinas

mais do que em outros
neste Natal multiplicam-se as urgências

                                                                 João Evangelista Rodrigues


 

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