BOAS FESTAS

há tanta luz
que a cegueira se acentua
à volta da árvore verde-plástico.
as crianças atulhadas em brinquedos
choram a prenda que falta
enquanto o menino dorme impávido
— boneco de barro barato
envelhecido com os anos e guardado
num sótão qualquer —, guarnecendo
o presépio com cheiro a mofo e naftalina.

por uns instantes, quando se descobrem
os embrulhos enfeitados com mil dores
suspeição, ódio e cretinice
a luz intermitente perde o brilho
com o fogo da descoberta.

ninguém viu a notícia da tv
um sem-abrigo de lisboa diz
depois de eu ter nascido não houve nada de novo

um menino parte o menino jesus de barro
e todos se sentam à volta da mesa
enfeitada com azevinho, bolo-rei e frutos secos
e desejam boas-festas com brindes
de vinho, tilintar de taças, alguns sorrisos
e um olhar triste na esquina da sala.

                                                                                  José Félix


 

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