O POETA É QUEM SE CONSIDERA?

A poesia está na consideração.
Muito antes de chegar ao olho, aos neurônios.
No outono ou na primavera.
Na tentativa de reinterpretar o fato, a realidade ou o sonho.
Na Ponte Buarque de Macedo ou em Passárgada.
Dando Bandeira ou dos Anjos, poeta é quem se considera.
Em diagonal, como Jomard Muniz de Britto ou Wilson Araújo de Souza.
Ou em linha reta, como mandam as regras do mercado.
Mas sempre com um pé bem fincado no chão, que ninguém é maluco.
Poesia não se põe na mesa.
Poesia se põe na contracorrente, só para exercitar.
Assim caminha a poesia.
Pelas ruas do Recife ou de Teerã.
Qualquer coisa serve?
Tudo é jóia?
Poeta é quem se considera?
Ou é preciso ter a revolução na ponta da língua?
Poeta é quem se considera?
Ou é preciso entender a tradição para questioná-la?
Poeta é quem se considera?
Ou é preciso ver e ouvir estrelas?
Poeta é quem se considera?


O POETA

           Para Alberto da Cunha Melo

Trôpego, o poeta caminha,
desafia o espaço e recria,
assim como um equilibrista,
a geografia do seu abismo.

A força que o impulsiona,
instinto necessário à vida,
arquiteta com traição
a hora do golpe final.

Cumpre a sua trajetória fatal
qual manso e belo cordeiro que,
cego pela luz mais próxima,
imagina vastas planícies.

Acaricia-lhe o vento
a face pálida e vazia.
Já não canta a felicidade,
apenas caminha e vai.

                       Clóvis Campêlo

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