CANÇÃO DO OUTONO SOMBRIO

Tenho pisado em folhas secas
que se amontoam aos pés das cercas,
depois esvoaçam pelo chão.
Acima, quase brilha um sol cinzento
simultaneamente ao vento,
que uiva a mais sombria das canções.
Vivo uma tristeza há mais de trezentos dias
sem ver flor ou ler poesia,
numa busca que parece ser em vão.

Em meus olhos respinga a garoa fina
que se funde às minhas lágrimas...
(nem sei se sou eu quem chora ou se é o céu).
Escondido sob o espesso sobretudo
carrego o peso do mundo em minhas costas,
seguindo só com minhas botas e o destino infiel.
No meu caminho, a primavera não é óbvia,
sinto mais frio que num inverno em Varsóvia
(sonhos congelados na nevasca da ilusão).

Aspiro o pó branco que sobe pelas narinas
ou mergulho na bebida ofertada nos bares...
(falsas amigas que me empurram para a cova).
Não mais havendo lua-nova em minhas noites
semi-serro as pálpebras e me acostumo ao breu;
afinal, o pior inimigo a enfrentar ainda sou eu.

Feito um corsário sem rumo,
minha alma de pássaro ganhou o azul,
migrou pro Sul... foi embora no outono
e se me mantenho em pé é por paixão:
tenho fé, que apesar de tanta derrota,
ao abrir alguma porta, ainda haverá verão.

                                                     André L. Soares

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