QUINTAL DE NAGÔ

Que fazer com a casa desarumada?
Com os olhos críticos do branco?
Com os preconceitos edemáticos?
Tudo isso não são peripécias do acaso,
são afeições,
fervor,
gosto,
sentenças...
são para dar arras ao temperamento
às visitações incessantes.
Dobrado no dia e na noite
o transporte de antigos segredos
do sonho bebido em bronze,prata e ouro,
sustento das palavras não ditas
lembranças das que ficaram.
Aqui não temos assoalhos compridos
nem jarros para de flores com água mudada frequentemente.
Só a proteção do céu existe;
pra males físicos,morais e espirituais.
Em potes os ingredientes para o aluá.
Axé!
Axé!...Axé!...
Expandam-se os males com garrafinhas com água
e galho de arruda colocado no centro da mesa
caixotes
cuias
tijelas de barro
latas de doce do senhor deixadas.
- Pra todas bandas a inocência -
Se chegue ao Quintal de Nagô!
Negrinha, que escondes atrás da porta?
em baixo das tuas palhas
nos rasgões do tecido surrado
nos cestos
nos balaios
nos tabuleiros
debaixo da tua lingua?
- Miséria que vem a galope -
A matéria forte
vinda como vento
sacode as narinas.
Surge no corpo
acarinha as coxas quentes
as ancas fortes
sob um peitinho de seda preta
que chama pra longas navegações
que recebe a dádiva do céu e da lua.
A proteção de todos os Orixás.
Um peixe vermelho faz tremer os olhos negros do negro
enfeitiçando tudo...
e seu tronco feito relâmpago
capaz de afagar os cinco cantos do mundo
espelha realeza.
Que ora despojada luta contra a sede e a fome.
No tamborimento dos teus dedos
o contar das estrelas
o bater de todos os atabaques.
Obá!
Obá!...Obá!...
Não ponhas nada fora.
A tina da barrela de cinza pra lavar
a bacia de areia molhada pra lixívia.
Visíveis e invisíveis formas;
da terra
do mar
do fogo
do ar.
Fertilizando e enraizando a nova terra.

                                                                  Vicente de Percia

Do livro Brasil da Silva: Mistério de chorar, Ed. Achiamé, 1982, em 4ª ed., RJ

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